Esse texto foi originalmente escrito em 2009, mas reformulado em 2011.
A essência e os principais detalhes da história foram mantidos.
O mais impressionante é que ele aconteceu. Exatamente como é narrado.
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Lágrimas do céu
Era um café muito agradável. Paredes em tom amarronzado com cortinas em palha, como o pelo de um Labrador. Mesas de madeira maciça, rígidas e robustas, e pessoas falando em russo. À luz de lâmpadas incandescentes, tudo parecia um tanto dourado.
O cardápio estava em cirílico, e o máximo que eu pude fazer foi entender e pronunciar o som das palavras sem saber o que cada uma significava. Eu fazia isso enquanto olhava para ela, tentando provocar algum sorriso naquele rosto, para mim, tão arisco. Reservei-me ao mínimo de empolgação.
Pedi a ela uma opinião para bebida. Eu não tinha o que fazer diante do cardápio intraduzível. Ela sugeriu um tradicional chocolate quente. A idéia parecia boa e eu aceitei.
Enquanto nossas bebidas não chegavam, conversamos sobre coisas simples. Isso sempre me anima: Simplicidade. Quando digo isso, me refiro a conversas sobre detalhes das cores dos pássaros, e as diferenças entre as aves brasileiras e russas. Ou coisas interessantes que um corvo já tenha feito. Como ela vê um cachorro e como ela se lembra de um cachorro. Se ela sonha em ser mãe... Uma noite inteira não seria suficiente para esgotar aquele assunto auto-deflagrável.
As bebidas chegaram, mas só serviram para aumentar, ligeiramente, o intervalo entre uma pergunta e uma resposta. O líquido rebatia o frio, mas nenhum de nós queria queimar a boca. Eu não queria que aquilo acabasse. Naquela noite eu deixei o café angustiado.
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Quando saímos, uma amena chuva, muito freqüente em Moscou naquele período do ano, nos aguou. Ela, acondicionada ao clima imprevisível da cidade, carregava um guarda-chuva.
_Eu tenho um guarda-chuva. Acho que é suficiente para nós dois.
_Não, não. Não me preocupo com um pouco de chuva.
Ela era uma donzela. Jamais contestaria uma gentileza. Se, além disso, eu a oferecesse meu casaco, ela aceitaria e continuaria a caminhar indiferente.
_Você vê? O Céu está chorando. – Naquele momento não conseguiria prever como estas palavras me afetariam em longo prazo.
_Isso é chuva. – Respondi, em meio a um sorriso intrigado e pouco antes de colocar as mãos no bolso.
Houve uma pausa de três ou quatro segundos e, então, ela se virou e me olhou diretamente:
_Essa é uma eterna briga entre poetas e cientistas.
Foi interessante e inusitado ouvir aquilo naquelas circunstâncias. Eu a conhecia há pouco, mas percebi que seus olhos estavam carregados de alguma coisa que só faria sentido tempos depois.
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Na estação de metro, quando fomos nos despedir, eu a abracei e algumas gotas de chuva, que ainda permaneciam em seus curtos cabelos, tocaram o lado direito do meu rosto. Eu prolonguei aquele abraço até o limite da normalidade, e vi que ela também queria o mesmo.
Então eu a soltei. E ficamos por curtos segundos nos olhando. Até que levei a mão ao meu rosto para sentir a umidade. Em seguida, olhei para meus dedos molhados e, em meio a um sorriso irônico, eu disse:
_Essas devem ser as lágrimas do céu.
E nós rimos juntos.
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Bem, o céu não chora. Não há ninguém lá em cima tão triste e, ao mesmo tempo, tão indiferente, a ponto inundar uma cidade em lágrimas. Na verdade, o que seus olhos queriam dizer, com todo o peso com que me olharam, é que eu deveria considerar profundamente o que ela havia falado. E, ocasionalmente, eu ainda me ocupo em extrair mais daquela frase.
Hoje penso que se, por um lado, naquele fim de tarde, o céu se lamentava sem motivos, eu tinha um motivo eminente para chorar caminhando ao meu lado.
E, em silêncio absoluto, sorrimos um para o outro enquanto eu dava lentos passos para trás. É estranho me lembrar de que naquela hora eu não me preocupei com o fato de que nunca mais a veria. Talvez por que ela ainda estivesse tão perto.
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A inspiração deste texto nunca o leu... Certamente nunca lerá.
Maio de 2011